quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

O Regresso

A maior curiosidade das pessoas que assistiem ao novo filme de Alejandro G. Iñarritu não é se o diretor vencedor do Oscar no ano passado voltou a fazer um bom filme, mas se o seu protagonista, Leonardo Di Caprio, está realmente numa atuação que finalmente lhe renderá a estatueta dourada. Sim, o ator está muito perto de receber seu primeiro prêmio da Academia por mais uma grande atuação. Aqui, graças ao excelente trabalho feito na parte física, já que seu personagem tem pouquíssimas falas.

A história conta a saga de Hugh Glass, um explorador americano que, após sofrer um ataque de urso e ficar em estado grave, é enterrado vivo e tem seu filho assassinado pelo homem que ficou responsável por cuidar dele até o fim.

O Regresso é um filme visualmente impecável, seja na maquiagem, no figurino, mas principalmente na fotografia de Emmanuel Lubezki que, junto com DiCaprio e Tom Hardy, são os grandes destaques do filme. Acostumado a trabalhar em filmes com Terrence Malick, Lubezki traz para a história seu gosto pelos elementos da natureza. As árvores ganham grande destaque. O olhar do diretor de fotografia constantemente aponta para o alto e poucas vezes encontra onde acabam os galhos, nos mostrando a grandeza e a força do mundo que nos cerca. Além disso, faz tudo filmando com luz natural, o que traz mais veracidade ao filme, principalmente na escuridão da noite, onde o fogo é única iluminação.

Outra de suas marcas também está presente em O Regresso: os planos-sequências, técnica que empregou de forma magistral em “Filhos da Esperança” e “Gravidade”, com Alfonso Cuarón, e que foi excessiva no ano passado, com o “Birdman” de Iñarritu. Esses dois últimos lhe renderam dois Oscars consecutivos. A cena inicial de O Regresso é um grande exemplo de como a técnica, quando utilizada na medida correta, pode criar excelentes momentos.

E as melhores partes do filme estão nas mãos de Leonardo DiCaprio. Desde a tão falada cena do urso aos momentos de martírio, o ator realiza um grande trabalho entre grunhidos, gritos de dor e olhares que vão do medo ao alívio e do sofrimento ao sentimento de ternura. DiCaprio atua com a mesma destreza de dois anos atrás, quando chamou a atenção de todos com o falante Jordan Belfort, em O Lobo de Wall Street, mas foi esnobado pela Academia. Tom Hardy também tem uma ótima atuação, como um sujeito que, acima de tudo, não quer mais estar naquele lugar inóspito.

Iñarritu faz um belo filme, melhor até que o premiado Birdman, mas que ainda carrega seus excessos. É tudo tão bonito, tão bem orquestrado, que o diretor, que não esconde de ninguém o tamanho do seu ego, precisa deixar sua assinatura escancarada na tela. Talvez o mais incômodo desses momentos seja quando o protagonista está sozinho na imensidão de gelo, sem ninguém, sem comida, quase morrendo e então vira para o lado, respira e embaça a câmera. O diretor dá o seu recado: “olha, ele não está sozinho. Eu estou aqui filmando ele”. São detalhes como esse que trazem para seus filmes a antipatia que o diretor gera em entrevistas e eventos, mas felizmente eles não têm força para estragar a sua obra. Ainda.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Creed – Nascido para Lutar

Durante a produção de Fruitvale Station, longa independente que chamou a atenção dos críticos para Michael B. Jordan e o diretor Ryan Coogler, a dupla teve uma ideia: fazer uma continuação para saga de Rocky Balboa, mas com foco na família Creed. Os dois foram ao encontro de Sylvester Stallone, apresentaram a história e o filme entrou em produção. Sim, os fãs do “Garanhão Italiano” ficaram preocupados com o que estava por vir. Mas agora, depois da estreia, a verdade é que o resultado não poderia ser melhor. “Creed – Nascido para Lutar” não é apenas parte dessa trajetória, é um dos melhores filmes entre todos os sete.

Assim como aconteceu com o fenômeno “Star Wars – O Despertar da Força”, a nostalgia é o combustível para contar a história de Adonis Johnson, filho de um caso extraconjugal de Apollo Creed, pouco antes de sua morte. Essa nostalgia nos é apresentada logo em uma das primeiras cenas, quando o personagem de Jordan assiste uma das lutas entre Balboa e Creed e começa a repetir os golpes. Qual fã da série nunca fez o mesmo? E quando Stallone aparece pela primeira vez, ali onde o deixamos em “Rocky Balboa”, cuidando de seu restaurante e seguindo a vida na Filadélfia, a luta secreta entre o “Garanhão” e o “Doutrinador”, que marca o final de “Rocky III” vira assunto de conversa, deixando no ar uma pergunta que nunca foi respondida: quem venceu? A sensação permeia todo o filme. Sendo com cenas marcantes reeditadas, sendo em detalhes como um letreiro, uma roupa ou a citação de uma música das trilhas sonoras clássicas quando Rocky diz: “it’s you against you”, lembrando “Burning Heart”, do Survivor. 

Por mais nostálgico que seja, o novo filme tem suas particularidades. A cultura das ruas e o hip hop invadem a tela e Coogler filma a Filadélfia da mesma forma que é feito em um filme independente, com a câmera passeando pela cidade, mostrando detalhes do cotidiano, até encontrar os protagonistas. Completamente diferente é a forma como o diretor constrói as cenas de luta do filme, já figurando entre algumas das mais empolgantes de todos os tempos. A primeira luta oficial de Adonis é simplesmente espetacular. Construída como um plano sequência, a câmera sai do corner e percorre o ringue colada nos lutadores, trocando de posição a cada soco, afastando quando necessário para mostrar os movimentos e quase encostando nos atores para mostrar detalhes de cortes e hematomas.

Um dos grandes méritos do filme está no carisma de Stallone e Jordan. O novo protagonista vem se destacando em cada novo filme e já é um dos queridinhos de Hollywood. Seu personagem carrega o peso da infância sofrida, mas sem deixar que a mão pese no drama. Já o veterano merece o Globo de Ouro que recebeu e merecerá o Oscar que está indicado. Stallone entrega toda sua paixão por Rocky com uma naturalidade que fica difícil distinguir quando estamos vendo Balboa e quando vemos Sylvester. A cumplicidade dos personagens é de amolecer o coração até de Ivan Drago ou Clubber Lang. Quando a dupla decide seguir junta, cada um com sua batalha particular, e afirmam seu valor, sem medo do passado, Rocky Balboa e o agora Adonis Creed são imbatíveis.

Assistir ao filme numa sala de cinema lotada, com pessoas de diversas idades vibrando e aplaudindo ao primeiro acorde de uma música é de arrepiar. “Creed – Nascido para Lutar” pode ter sido pensado como mais uma continuação da história de Rocky. O que Coogler, Jordan e Stallone talvez não desconfiassem é que estavam produzindo o início de um novo futuro para a saga. Na verdade, fizeram mais. A nova história é uma renovação para o legado de Balboa.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Spotlight - Segredos Revelados


Vivemos em uma época de notícias instantâneas e efêmeras. Cada vez mais os grandes veículos de comunicação disponibilizam contatos de Whatsapp e outros canais que viabilizem ao público o envio de fotos, vídeos e notícias. Mas o que era uma aproximação entre as ruas e as redações acabou servindo para que os jornalistas não precisem levantar de suas cadeiras. Esse material é veiculado com apurações rasas, com erros ou informações incompletas e muitas vezes esquecidos no dia (ou mesmo nas horas) seguintes.

É com esse cenário atual que “Spotlight – Segredos Revelados” estreia nos cinemas brasileiros sendo obrigatório para qualquer jornalista ou comunicólogo do país. Ao apresentar o trabalho de uma pequena equipe que passa meses apurando denúncias graves, a fim de criar matérias que contestem e cobrem a verdade das instituições investigadas, o filme é um soco no estômago tanto pelo lado da trama quanto pela vontade de ler ou ver algo tão importante assim na nossa mídia (e pelo que tenho lido em sites estrangeiros, na imprensa lá de fora também).

O filme, baseado em fatos reais, conta a história da equipe do jornal Boston Globe, que, em 2001, passa a investigar abusos cometidos por padres e um esquema lucrativo de escritórios de advocacia que defendem a Igreja católica. Antes do desenvolvimento da investigação somos apresentados à cidade de Boston e aos personagens da redação, cada um com sua particularidade: o jornalista com sangue nos olhos, que não quer largar de lado nenhuma pista sequer, a neta que acompanha a avó nas missas, o pai de família, os editores carreiristas e o novo chefe, que chega de fora sem o peso dos moradores da cidade para apontar o dedo na ferida que todos tem noção, mas ninguém tem coragem de falar.

Spotlight acerta ao escolher rostos desconhecidos para interpretar os personagens que sofreram abusos, tornando seu sofrimento mais real. As duas primeiras histórias são contadas em detalhes e as expressões das vítimas e dos jornalistas se completam, aumentando a angústia. A escalação dos personagens principais também é ótima, com destaque para o tipo esquisito e cheio de energia criado por Mark Ruffalo, o “macaco velho” feito por Michael Keaton, o forasteiro de Liev Schreiber e o advogado descrente, interpretado por Stanley Tucci.

A dinâmica do filme cria tensão com cortes rápidos nas cenas investigativas e nos planos mais abertos, mostrando a dominação da religião na cidade. As torres de uma das igrejas praticamente engolem e dominam  toda a tela ao mostrar de longe uma pequena varanda. Em um momento o filme faz uma pausa na correria dos personagens e foca uma TV que noticia os ataques terroristas de 11 de setembro. É a direção nos dizendo: sim isso aconteceu, é de verdade e estava ocorrendo ao mesmo tempo que você via essa mesma imagem.

O trabalho feito pelo diretor Tom McCarty é magistral. Um filme que, assim como o clássico “Todos os Homens do Presidente”, deve ser mostrado e debatido nas faculdades de jornalismo. Ao final do filme, nós que também sabemos que atrocidades como as contadas ocorrem dia após dia embaixo de nossos narizes, nos deparamos com diversos sons de telefones tocando na sala do Spotlight, pessoas que querem gritar e contar aquilo que as aflige, pessoas que querem confiar no poder da notícia. Em seu último take, o filme deixa de lado o Prêmio Pulitzer que a equipe venceu para mostrar apenas o legado de um jornalismo bem executado.